terça-feira, 15 de setembro de 2009

Orientador, Orientando e Outros Bichos

SANTOS, Clóvis Roberto dos;
NORONHA, Rogéria Toler da Silva de.
Monografias científicas: TCC, dissertação, tese. São Paulo: Avercamp, 2005.


Monografia: Orientador, Orientando e Outros Bichos

Adaptação de CLÓVIS ROBERTO DOS SANTOS

Num belo dia de sol, de uma enorme toca sai o Coelho com seu notebook e, embaixo de uma frondosa árvore, põe-se a trabalhar, com afinco, em sua monografia cientifica (TCC de graduação ou de especialização, dissertação de mestrado ou tese de doutorado, pouco Importa).
Tão distraído estava, que não percebeu o aproximar-se de uma Raposa, que não havia nem concluído o Ensino Fundamental.
Ao ver aquele coelhinho tão gordinho, a Raposa logo pensou: "Que belo e suculento almoço vou ter hoje, ficando, ao mesmo tempo, intrigada com a concentração e a Intensa atividade do Coelho.
Aproximando-se mais e, curiosa por natureza, ela pergunta:
- Coelhinho, o que você está fazendo aí com tanta atenção?
- Estou redigindo o final de minha monografia científica, que tem um tema bem intrigante e Inédito, "Os predadores naturais do reino animal, um estudo baseado no pragmatismo de Dewey e na gastronomia pantagruélica de RabeJais, com enfoque no materialismo lógico de Aristóteles". Minha apresentação (ou qualificação, ou defesa) será no final deste mês, e meu orientador é muito exigente.
Como você deve saber, os orientadores são realmente umas feras.
- E o que você está querendo provar com essa tal mono..., o que mesmo?
- Monografia, sua ignorante, que significa, conforme a etimologia grega da palavra, mono (um) e grafia (escrita), isto é, trabalho acadêmico escrito sobre um único tema. Tenho um problema: quem é realmente predador no reino dos animais?
Minha hipótese, agora, é a de que os coelhos é que são os predadores naturais das raposas.
- Oral Que ridícula essa sua hipo... não sei o quê I Nós, as raposas, é que somos predadores naturais de coelhos - observou a Raposa, superindignada.
- De jeito nenhum Queira, por favor, acompanhar-me até a toca ai em frente, que vou lhe mostrar minha prova experimental. É preciso demonstrar a cientificidade do trabalho para que minhas conclusões tenham validade perante os meios acadêmicos.
Em seguida, ambos entram na enorme toca. Imediatamente. Surgem de lá de dentro alguns ruídos estranhos e, depois, silêncio absoluto. Minutos depois, o Coelho volta sozinho, e continua a elaborar seu trabalho.
Tão compenetrado ficou, que não percebeu aproximar-se um enorme e faminto Lobo também, como a Raposa, analfabeto funcional: conseguiu terminar o II ciclo do Ensino Fundamental graças a tal de progressão continuada das escolas públicas estaduais de São Paulo), muito feliz por se deparar com tão fácil e belo jantar.
Porém, diante de tamanha concentração do Coelho, o Lobo resolve antes saber a razão de tudo aquilo e lhe pergunta:
- Olá, jovem coelhinho, o que faz você trabalhar com tanto entusiasmo?
- Minha monografia científica, Senhor Lobo. Neste momento, estou querendo provar minha hipótese de que os coelhos são os predadores naturais dos lobos.
- Coelhinho apetitoso e inocente, isto é um despropósito, embora nem saiba o que quer dizer monografia científica e muito menos hipótese, tema etc. Nós, lobos, é que somos os genuínos predadores de coelhos.
- Desculpe-me, mas, se você quiser, posso apresentar minha prova experimental. Acompanhe-me até a toca aí em frente.
O Lobo não conseguia acreditar na sua sorte. Uma bela refeição sem grandes esforços. Ambos entram e, alguns minutos depois, ouvem-se estranhos ruídos de mastigação e... o silêncio. O Coelho, de novo, sai da toca e continua seu trabalho.
Lá dentro da toca, vêem-se uma enorme pilha de ossos, sangue e restos de pêlos de raposa e de lobo. Ao lado da pilha, um enorme Leão, orientador, satisfeito, bem alimentado e feliz com o excelente desempenho do Coelho: um inteligente e competente orientando.

MORAL DA HISTÓRIA
Não importa quão absurdo seja o tema de sua monografia cientifica.
Não importa se seu trabalho tem ou não fundamento cientifico.
Não importa se sua pesquisa é científica e se foi bem feita.
Não importa se seus experimentos chegarão ou não a provar sua hipótese.
Não importa se suas idéias vão contra o mais Óbvio bom senso e os fundamentos lógicos ou científicos.
Não importa se suas conclusões vão agradar ou não a academia.
Não importa se você fez ou não todo o trabalho seguindo rigorosamente as regras da ABNT.
O que importa, mesmo, é quem é o seu orientador, que, quanto mais fera, melhor.

MORAL DA MORAL

ORIENTANDOS, não acreditem muito no que foi escrito acima, especialmente quanto à MORAL. Tudo, evidentemente, não passa de uma simples história. Vale a pena seguir sempre seu ORIENTADOR, mas ele não precisa ser tão fera quanto um leão.